Felipe Lacerda - o escritor que diz Ni

Setembro 17 2009

Sentiu-se tão virgem diante daquele vestido. Ela que não é assim tão cheia dos pudores, enruborou-se diante daquele decote. Os peitinhos, tão diminutos, no uniforme do colégio. E aquele vestido dizia MULHER, ao contrário de seu corpo que dizia GAROTA. Mas gostou do vestido, como quem visita um Sex Shop apenas com o intuito de infringir alguma coisa dentro de si mesmo. Quem sabe ela não se sente mais mulher com um decote desses? Ou quem sabe compraria um vibrador, mesmo que para nunca usar, só para se sentir tão sexual quanto o resto do mundo?

Não, não é do RESTO do mundo que ela está falando. o resto do mundo a que ela se refere são suas amigas de escola. Claro, se mamãe souber que ela está cogitando usar esse vestido (ou comprar um vibrador, quem sabe) ela a deserda. O que pesa apenas pelo que acarreta, já que não há muito o que se herdar da velha família Porto Riquenha que veio pára o Brasil em 1946, depois que as bombas já explodiram tudo o que tinham para explodir pelo mundo afora, inclusive a vergonha na cara das pessoas.

Sabe, é mesmo um belo vestido. E não é muito caro. O vibrador custa 64 reais. O vestido é até mais barato. E o que ela tem na bolsa dá e sobra pra comprar os dois.

A moça não é virgem, ao contrário do que sugere a aura que emana e a família que a mantêm. Ela é, segundo si mesma, meio virgem. Meio virgem? É, meio vrigem. O termo é até legal, arrancou risadas das amigas. Só da Luciana, é claro, já que jamais contaria uma coisa dessas para Fran. Não que Fran seja má amiga. Só é muito de dar com a língua nos dentes. E se mamãe souber... A grande verdade é que nunca se deitou com um homem. Não, Marquinhos não era um homem. Não rolou nada de penetração. Não sabe o que é isso. Mas eles... troocaram carícias. Muitas. Ele pediu para ela fazer algo mais, e a príncípio ela não quis. Não, não era a hora. Ou ela estava se borrando de medo? E se doesse? E se ela não gostasse? E se sangrasse muito e sujasse tudo, e ela ficaria com muita verganha...

Não. Nada de penetração. Mas quis conhecer. Quis pegar. Quis ver do que é feito. É até engraçado, fica assim firme de repente. O gosto... o gosto não é bom, não gostou. Será que todos tem gosto assim?

He, Algo assim ficaria bom em seu corpo? Não está meio magrinha demais? Será que a loja tem num tamanho menor? E esse manequim da vitrine não tem nenhuma espinha na cara. Aliás, nem cara tem. Será que vai continuar aparentando a idade que tem?

São perguntas demais. melhor desistir de ser mulher.

Caminhou até em casa com o os olhos na ponta dos tênis. A mochila roxa batendo levemente nas costas. Amanhã tem prova de geografia. Precisa estudar. Mamãe vai perguntar porque demorou e ela vai responder uma mentira qualquer, dissimular a verdade e se trancar no quarto.

Sua não havia cehgado do trabalho ainda. Que sorte grande, hein? Colocou a mochila no quarto e pegou no computador aquele vídeo que baixou na internet. Sentiu tanto medo, sabe? Clicar no botão de download foi como se apertasse o botão de uma bomba H. Ouviu ruir sobre si um universo de paradigmas e temores absolutos, uma questão de princípios de seus pais e dos pais de seus pais, não dos seus. Seus princípios são posteriores à guerra, não é? Quando nasceu já não havia mais nada de pé. Todos os muros já haviam caído. O sangue que descia da montanha não chegou a sujar seus pés.

Colocou o vídeo no celular. Sentiu-se uma contraventora, uma puta devassa, uma prostituta de costumes e moralidades antigas. Uma vadia, como nas novelas da TV.

Se mamãe souber, ela a mata.

Trancou na porta do banheiro bem trancadinha e ligou o chuveiro. Gosta do vaporzinho subindo enquanto tira a roupa. Não saberia explicar o porquê.

Nua, branca, magra, peitinho.

Não caberia no vestido, pensando bem.

Colocou o aparelhinho pink posicionado encima do box, de um jeitinho que desse pra ver o vídeo sem que lhe espirrasse água. Adora fazer isso. Mas tem medo de fazer isso. Tem medo porque no fundo algo lhe diz que não devia estar fazendo isso, que ver aquele vídeo lhe atiçaria algo que ela não quer que se sobressaia de jeito nenhum.

Entrou na água, quentinha. Esfregou-se com sabonete de menina, que mamãe comprou junto do dela, que não é de menina. Depois sabonete e depois enxaguou.

Apertou o play no celular, com bastante cuidado com a água dos dedos.

Quando naquela telinha, duas garotas começaram a se beijar, a garota no chuveiro alargou um sorriso meio precupado, meio excitado. Sem dúvida, carregado de culpa e tesão, embora ela mesma não soubesse dar o nome daquilo que sentia.

Duas garotas nuas, nuas como ela, brancas, magras e de peitinho. Mas as duas estavam se beijando e se tocando, sem culpa e sem pudor. Apenas como duas meninas.

Então, como quem obedece uma ordem vinda de dentro

a garota começa a fazer o mesmo.

publicado por Felipe Lacerda às 19:23

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