Felipe Lacerda - o escritor que diz Ni

Fevereiro 03 2010

 "Jogue suas mãos para o céu, e aproveite se acaso tiver, alguém que você gostaria que estivesse sempre com você, na rua na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé"

 

Há alguns dias recebi uma daquelas notícias avassaladoras, que fazem você não pensar em mais nada: Uma grande amiga estava no hospital, passando por procedimentos cirúrgicos. Ela não corria perigo de morte, mas como convencer a minha mente turva e dramática de que isso era uma possibilidade remota? Depois de assistir tantos programas de TV, noticiários e tudo mais, sempre pensamos que os dramas da nossa vida são realmente maiores do que são. E não vamos exagerar, não é?

Mas o fato é que tudo isso me fez parar, novamente, e pensar (como se eu não fizesse isso o suficiente). E mesmo em meio a um turbilhão de coisas de trabalho e resoluções de ano novo (isso significa, dentre outras coisas, enriquecer drasticamente) uma pergunta me colocou uma pulga gorda atrás da orelha:

Quando ouvimos notícias assim, dá vontade de aproveitar a vida, não é? Vêem todos aqueles videozinhos de filtro solar, de Shakespeare, Titãs, na nossa cabeça e pensamos "poxa, a vida termina rápido, é melhor aproveitá-la". Sim, mas a questão não é esta. A questão é: o que diabos é aproveitar a vida?

Será que aproveitar a vida é vender tudo, comprar um barco e atravessar o oceano com um estoque de comida enlatada e um rádio que não pega metade do caminho? Será que é vender água de coco em Porto Seguro ao som da última versão de Macarena em português? Será que aproveitar a vida é largar o seu namorado ou namorada de três anos mornos e começar a dar uma de Samantha em "Sex and the City", pegando só o que dá?

Ou talvez montar um blog, encher-se de ironia, andar com uma bengala tipo House e fazer da mente dos outros um playground? Gosto disso. Do House e do playground, não da bengala.

Eu acho que aproveito a vida. Eu acho. Meu trabalho, eu nem chamo de trabalho, embora o seja. Mas não é tão maçante quanto um balconista, nem tão pesado e sujo quanto um servente de pedreiro, nem nada assim (aliás, antes que mais alguém me ameace dar uma surra, vou logo avisando que meu pai é pedreiro e eu já fui balconista). Meu trabalho envolve coisas  que amo fazer:  CONVERSAR, VENDER, ARTICULAR, MANIPULAR  CONVENCER, ADMINISTRAR, OUSAR, entre  outras coisas que um orientador comercial faz, além de usar uma gravata invocada (falando assim, parece até sou realmente importante). 

Eu sou curioso a ponto da minha mãe sempre dizer que não posso ver um saco fechado chegando em casa que  abro e, assim, eu conheço um monte de coisas novas, da mesma forma em que um dia prendi o dedo numa ratoeira ao tentar descobrir que barulhinho era aquele atrás da geladeira. Eu me considero uma pessoa amiga, pelo menos de mim mesmo. Eu cometo algumas gafes, faço alguns disparates de vez em quando, mas a idéia de pular de pára-quedas ainda me soa como o grande caminho para o Nirvana.

E aí? Será que eu deveria querer pular SEM pára-quedas ou voar de balão na Capadócia para estar de fato aproveitando a minha vida?

Depois de muito analisar e de deixar a minha intuição falar um pouco mais do que isso eu cheguei a uma conclusão, então preparem-se:. Aproveitar a vida é ser você mesmo! (UAU! Uhúúúú! Genial! Augusto Cury!) Se o que te deixa feliz é limpar a casa todinha e fazer um belo jantar para o seu marido, namorado ou gato de estimação, mesmo sem ter nunca saído do seu bairro, que ótimo, você está aproveitando a sua vida! Desperate Housewifes, mas é  a sua vida! Se o mais importante é se aventurar em uma terra desconhecida e você o faz mesmo que tudo seja planejado metodicamente, que bom, você também está aproveitando a sua.

O que não é aproveitar a vida, para mim,  é mesmo tendo tudo isso, não ter paz no espírito ou no coração. Não conhecer a si mesmo a ponto de não ter a menor idéia do que quer fazer com a sua vida. Não olhar para dentro e continuar procurando do lado de fora de você a resposta para todos os seus problemas, seja num amor, numa viagem, indo pro Oriente Médio ou sendo rica e famosa. Não aproveita a vida quem não olha o pôr do sol, mesmo que seja da laje de um barraco, e se sente emocionado, lá no fundinho, com o espetáculo que é a natureza. Não aproveita a vida quem está com pressa de ser e de ter. Quem tem pressa de ser mais feliz, não está aproveitando a vida, mas a encurtando. Quem está preso na própria ansiedade não vive em mundo algum, está só flutuando, como um dente-de-leão, procurando um solo seguro para se firmar. Quem acha que a felicidade está "lá", seja lá onde este "lá" for.
É claro que eu quero realizações. Mas eu só posso me realizar quando eu viver a experiência por si só. Quando eu tiver um filho, não porque eu quero que alguém cuide de mim na velhice ou porque eu quero ter para quem deixar os meus dólares, mas porque eu quero saber como é a experiência de cuidar de um corpo pequeno que recebeu uma alma grandiosa (sim, porque todas as almas são grandiosas). Eu aproveito a vida no café que eu tomo com um amigo, mesmo que eu tome aquele café pela milésima vez. Aproveito a vida comendo o meu pastel de camarão na feira todo sábado de manhã, plantando sementes no algodão. Eu aproveito a vida quando abro meu armário pela manhã e quero, tenho o tesão de escolher uma roupa, porque é isso que eu mereço. Porque, por mais piegas e lugar-comum que isso possa parecer, a vida é só o que tenho no hoje.
 

 

O amanhã não chegou. O ontem já passou. E o desespero chega justamente quando queremos algo que tínhamos ontem  e não temos hoje, ou que queremos saber se teremos amanhã. Até porque, a hora da morte é sagrada e também precisa ser aproveitada como um novo nascimento. Um nascimento de outro nível, em outras esferas que deverão também ser muito bem aproveitadas.

Aproveite que está lendo este texto, e se perceba. Perceba como está sentado, perceba as partes do seu corpo, o contato do seu corpo com a cadeira. Perceba a maciez das coisas ao seu redor, as cores, os cheiros. Perceba qual é o seu sentido mais aguçado. Isso é viver e aproveitar. No aqui e no agora, da maneira como as coisas são ou estão. Ame intensamente como não se houvesse amanhã. Porque, quando chegar o amanhã, ele será o seu hoje mesmo. Largue a carga que você carrega, não tenha uma lista enorme de obrigações. Sinta o prazer de ser um  pouco só.

Aproveitar a vida é ter prazer. Por que a dor virá, inevitavelmente.

 

 

 

 

 

P.S. Minha amiga está ótima, em casa e se recuperando. Era só um apêndice. 

publicado por Felipe Lacerda às 16:13

carpe diem quam minimum credula postero.
e já falando em elementos bucólicos do arcadismo, fugere urbem para um locus amoenus também é bem interessante.

continuando com a literatura (que, afinal, é tudo isso aqui) mas fugindo para talvez outra corrente:
"Sonhar é acordar-se para dentro" - Mario Quintana
marielle a 3 de Fevereiro de 2010 às 18:47

E neste momento, por mérito e vontade próprias você se consagra Magus Rex.
cochise a 3 de Fevereiro de 2010 às 20:57

Prefiro memento mori. Mais legal.
Bárbara a 4 de Fevereiro de 2010 às 15:20

Alto, loiro, sarcástco, finamente irônico, ator, escritor, ano 87, à alcool, sére luxo, estofado de couro, rodas de liga leve, direção hidráulica...
O Autor
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